Pessoas em Situação de Rua: Um Desafio Complexo e Urgente
Diversos fatores contribuem para que uma pessoa viva em situação de rua, incluindo rompimento de vínculos familiares, violência doméstica, alcoolismo, dependência química, problemas de saúde mental, dificuldades financeiras e desilusões.
No Brasil, estima-se que cerca de 300 mil pessoas vivam nessa condição, segundo dados do CadÚnico. Surpreendentemente, 90% delas são alfabetizadas e 68% já tiveram emprego formal.
Este é um problema estrutural, profundamente enraizado na história do Brasil, marcado por mais de 500 anos de desigualdade social e 350 anos de escravidão, fatores que contribuíram significativamente para a atual situação.
A questão se manifesta em três níveis: global, nacional e municipal. A dependência química afeta cerca de 80% dessa população, impulsionando o aumento contínuo desse contingente. O tráfico internacional de drogas ilícitas, um problema global complexo e de difícil solução, é um dos principais fatores que contribuem para esse crescimento.
A maioria das pessoas em situação de rua é migrante, itinerante e flutuante, ou seja, não possui residência fixa nos municípios. A presença de pessoas oriundas do Nordeste em diversas cidades brasileiras, especialmente em São Paulo, exemplifica essa dinâmica.
Essa característica torna a questão uma responsabilidade compartilhada entre a União e os Estados, que detêm maior capacidade de investimento em políticas públicas e programas sociais, como os oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e SUAS (Sistema Único de Assistência Social).
Em Campinas, o Censo de 2024 da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social contabilizou 1.300 pessoas em situação de rua, um aumento de 39,48% em relação a 2021, quando foram registradas 932 pessoas. No entanto, ONGs que atuam diretamente com essa população estimam que o número real seja pelo menos o dobro. Campinas é a única não capital que está entre as dez com maior concentração de população de rua.
O município, por meio das secretarias de Assistência Social, Saúde, Trabalho e Habitação, tem o papel de atender essa demanda. Durante meu mandato como vereador em Campinas (2021-2024), presidi a Comissão da População em Situação de Rua e constatamos a ineficiência do governo municipal em lidar com a situação, devido à falta de prerrogativas e à gestão e estrutura de atendimento insuficientes.
As forças policiais estadual e municipal enfrentam dificuldades para combater o tráfico de drogas e a criminalidade, devido à falta de recursos humanos, equipamentos e verbas, além da legislação federal, que muitas vezes resulta na rápida libertação de criminosos.
Na área da saúde, a oferta de vagas para tratamento psiquiátrico é insuficiente. A prefeitura não realizou internações compulsórias, seja por falta de competência ou interesse. O atendimento nos CAPS é lento e burocrático, levando muitas pessoas a desistirem do tratamento. Além disso, não há estrutura de acolhimento (moradia) para aqueles em tratamento.
A dependência química é uma doença, e o único centro de reabilitação em Campinas que atende pessoas em situação de vulnerabilidade é o Instituto Padre Haroldo, cuja capacidade é insuficiente para a demanda.
Os serviços de assistência social se limitam a oferecer alimentação e higiene durante o dia (em número insuficiente de locais) e pernoite em albergues por poucos dias. O projeto Mão Amiga, que oferece bolsas e atividades profissionais, é insuficiente para promover a autonomia das pessoas atendidas.
Campinas não aderiu ao Plano Nacional Ruas Visíveis, perdendo a oportunidade de obter mais recursos para a cidade. O Plano Ruas Visíveis contempla medidas desenvolvidas em sete eixos: Assistência Social e Segurança Alimentar; Saúde; Violência Institucional; Cidadania, Educação e Cultura; Habitação; Trabalho e Renda; e Produção e Gestão de Dados. Sua articulação envolve 11 ministérios, em parceria com governos estaduais e municipais, e diálogo com movimentos sociais da população em situação de rua, representantes dos poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, sociedade civil organizada e o setor empresarial.
Protocolei o projeto "Moradia Primeiro", inspirado em modelos internacionais, que garante o direito à moradia (pensão, república ou kitinete) subsidiada pelo Estado durante o tratamento e capacitação, até a alta, quando a vaga é disponibilizada para outra pessoa. Este projeto tem sido desenvolvido com sucesso em vários países e em várias cidades brasileiras e segue o princípio da economicidade e da redução de danos ou seja, é muito mais barato e eficiente tratar a causa do que a consequência. Contamos com a presença do Diretor de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua, Leo Pinho, que veio de Brasília para apoiar nossa ação. Infelizmente, porém, o projeto tramita lentamente na Câmara Municipal de Campinas.
Este é o diagnóstico da complexa situação, sem perspectivas de melhoria a curto prazo. A mudança efetiva só ocorrerá quando o Brasil realizar reformas estruturais para reduzir a desigualdade socioeconômica, ampliando o acesso à saúde, educação e trabalho para os mais necessitados, com maior inclusão social por meio de políticas públicas em nível federal, estadual e municipal.]
Do Blog o Paulo Gaspar
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