"Quando vemos uma foto de um indivíduo desnutrindo nos jornais ou em televisões é sempre uma imagem chocante, a desnutrição alimentar gera efeitos horríveis em nosso desenvolvimento como seres humanos, e alguns deles são irreversíveis. Já a desnutrição cultural não choca tanto, pois ao contrário da desnutrição alimentar que afeta as classes mais baixas da população, a desnutrição de cultura atinge a todos, ricos e pobres, velhos e crianças. Ela é, portanto, mais perversa do que se pensa, uma vez que ela também gera efeitos horríveis impedindo, da mesma maneira, um perfeito desenvolvimento de nossas capacidades.
De quem seria hoje a responsabilidade da condução da política cultural da cidade? Seria o governo que, recebendo os nossos impostos, deveria melhor se ocupar do desenvolvimento da cidade e contemplar a Cultura com a seriedade que merece, ou seria a tal elite cultural da cidade que se responsabilizaria em auxiliar o governo nas prioridades? Em Campinas não temos nem uma nem a outra. De parte do poder público o que vemos é a transformação da Secretaria de Cultura em uma Secretaria de Eventos, onde a pouca verba que possui é principalmente usada para promover eventos, atrações temporárias que servem apenas para dar a impressão de que alguma coisa está acontecendo, quando na verdade nada realmente sólido é feito pela cultura. Shows no fim de semana podem até oferecer diversão, mas de nada servem para a nutrição cultural e desenvolvimentos dos artistas.
Enquanto isso os talentos que poderiam se desenvolver são desperdiçados e as oportunidades de construir coisas duradouras vão sendo perdidas. O contato do campineiro com a arte não deveria ser apenas aos fins de semana, quando ele tem a chance de sair para ir a um evento qualquer que irá durar algumas poucas horas, não porque estes sejam de má qualidade, mas é muito pouco devido ao avançado grau de desnutrição que atingimos. A arte precisa estar no cotidiano, estampada no rosto da cidade, em lugares públicos e de acesso a todos. O artista também deve participar do planejamento para embelezar a cidade, ao mesmo tempo em que esta deve prezar para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos talentos da área. Uma política cultural deveria ser algo que contemplasse o rico universo da arte, sem este fundamento tudo fica falso e provoca danos horrorosos que estamos vendo agora, a violência é um dos sintomas mais visíveis.
É preciso urgentemente um trabalho contra essa tragédia sob pena de começarmos a ter que nos escondermos cada dia mais, a subir muros e desenvolvermos melhores blindagens, além de começarmos a sentir os efeitos da desnutrição em nosso cérebro, efeitos estes que implicam em uma grave baixa do uso da inteligência e da capacidade de avaliação. A intolerância e o preconceito são também efeitos diretos e que podem causar danos irreversíveis
“É de responsabilidade da formiga o bem-estar da cigarra”, pois sem a cigarra a vida não é plena, sem o convívio cotidiano da arte o ser humano se torna apenas um animal bem adestrado. É o contato cotidiano com a arte que nos torna humanos, é através dela que preservamos nossa história e nossa cultura, e sem ela estamos fadados a viver uma vida desprovida de significado. Sem arte não há sonho e sem sonho não há vida."
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